Pretos no topo: por que ainda é difícil ver a diversidade chegando em cargos de liderança no mercado de games?

R. Bondioli
Gazeus Games
Published in
5 min readNov 25, 2022

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Embora sejam a maioria entre os gamers, o mercado ainda não reconhece e recompensa adequadamente os talentos pretos.

Segundo a Pesquisa Game Brasil realizada em 2021 (conhecido como o “censo” do cenário gamer nacional), 50,3% dos jogadores brasileiros se autodeclaram pretos e pardos. Há uma dominância de classes sociais e de preferência de dispositivo, mas o que nos interessa é observar para além desses números: de acordo com a Pesquisa, 22% desses gamers trabalha ou concorre a vagas no mercado de jogos online, porém, a porcentagem de profissionais que, de fato, alcança cargo de liderança cai para 0,98%.
E o que isso quer dizer em termos práticos?
Neste artigo, iremos abranger os principais obstáculos que contribuem para a enorme discrepância que ainda existe na ocupação de funções de liderança entre profissionais não-brancos e brancos.

O Brasil “gamer” e seu elitismo

Em um mercado mundial que movimentou mais de R$196 bilhões em 2022, o acesso às oportunidades neste nicho (em especial, no Brasil) é muito diferente entre pessoas brancas e não-brancas. O Brasil é hoje um dos maiores consumidores de games no mundo e desde as épocas áureas dos lançamentos dos primeiros consoles, havia o destoante econômico de quem, de fato, comprava estes produtos — mas sempre foi bastante óbvio que era aquele público que as empresas queriam atingir. Não precisa de nenhum estudo mais aprofundado para entender o que isso significa: apenas uma parcela bastante pequena teria o privilégio de usufruir desta nova forma de entretenimento.

Segundo a mesma pesquisa, 72% dos brasileiros têm costume de jogar games, e quase metade, 45,4%, afirma que só faz download de jogos gratuitos, e 44,9% dizem que não compram jogos com frequência — apenas um em cada dez afirma ser comprador assíduo.

Os anos se passaram e felizmente houve um crescimento no poder aquisitivo das classes minoritárias, que as possibilitou ocupar espaços que lhe foram negados no passado. Junto desta onda e das potências tecnológicas direcionadas aos mobiles, houve um considerável aumento de casters, streamers, jogadores profissionais, desenvolvedores não-brancos na indústria de poucos anos para cá e isso é ótimo.

Com essa força de consumo, seria inevitável que houvesse uma forte corrente de desenvolvedores de jogos dentro do nosso país; nos últimos anos, o Brasil teve uma alta de 169% de surgimento de estúdios de criação de jogos eletrônicos, além da mão de obra brasileira ter sido comumente procurada em empresas de grande porte. No entanto, embora todo esse avanço seja construtivo, é impossível ignorar que essa parcela de progressos não alcançou nenhuma porcentagem de profissionais não categorizados por privilégios sociais — fatiando ainda mais estes fatores, a porcentagem de consumidores ávidos pertencem às classes mais altas e são majoritariamente brancos.

Para Luiz Gustavo Queiroga, consultor de diversidade e inclusão na FURIA, o mercado de games ainda está muito moldado em uma estrutura que é excludente; “quando a gente começa a perceber diversidade nas empresas, essa é uma diversidade muito estratégica”, ele comenta. “Ela ainda não contempla a diversidade como deveria, ao passo que você começa a ter inclusão de grupos minoritários apenas com um propósito lucrativo”.

Luiz explica, em sua visão profissional, que embora seja nítida uma mudança na visão do meio gamer, ainda há muito para evoluir: “Podemos olhar para o futuro com um pouco mais de esperança quando vemos agentes transformadores, pessoas com projetos voltados para olhares dos nossos e que fazem de fato as coisas acontecerem. São pequenos passos, mas são poderosos”.

O poder da diversidade e inclusão nas empresas

O aumento de “gamers” no Brasil cresceu paralelamente às providências tomadas pelas empresas desenvolvedoras de jogos para ser diversa entre seus colaboradores: múltiplas ferramentas, normalmente dirigidas por pessoas pretas, têm sido procuradas para que candidatos não-brancos alcancem os processos seletivos mais disputados e tenham, de fato, uma chance — há também uma boa ampliação de anúncios de vagas afirmativas.

Ainda assim, a grande parte das posições são de base; conta-se nos dedos quantas vezes a indústria abriu lideranças para pessoas pretas e indígenas.

Karini Castro, que compõe o departamento de recursos humanos na Gazeus Games, entende que a falta de diversidade nas empresas também deve ser enxergado com um fator socioeconômico: “Uma pessoa negra, pobre e que a família precisa se preocupar em comer, muitas vezes não consegue investir financeiramente num curso ou graduação de jogos ou de qualquer outra área para os filhos” diz Karini. “Na medida em que oportunidades vão sendo dadas mesmo que seja para começar em cargos que não exijam graduação e as portas vão sendo abertas para as pessoas se desenvolverem, vamos percebendo a ampliação da diversidade”.

Mesmo estando há pouco tempo no mercado de games, Karini diz que foi bastante bem acolhida: “Eu, sendo uma mulher negra, fiquei muito feliz de chegar aqui e ser muito bem recebida e acolhida por todos. Neste curto espaço de tempo, aprendi muito com as pessoas que me deram treinamentos e tenho recebido diversas oportunidades de crescimento”.

“Com relação ao fator desencorajador podemos olhar sob uma ótica”, ela complementa”. “O mercado de jogos talvez exija uma preparação profissional que as pessoas mais pobres talvez não tenham condições financeiras de arcar. Além disso, acredito que muitas vezes a possibilidade de trabalhar com jogos não seja nem enxergada pelas pessoas de uma realidade social menos abastada. E se por acaso a pessoa enxerga essa possibilidade de trabalho, acaba esbarrando na sua realidade financeira e pode acabar desistindo depois de algumas tentativas frustradas por falta de conhecimento técnico e por falta de experiência”.

O futuro é diverso.

Houve um tempo em que não era sequer pensado em protagonismo preto, indígena, LGBTQIAP+ nos games (e vamos ser honestos, ainda há muita relutância por parte da comunidade). Mas a indústria começou a enxergar que havia uma parcela do seu público que não era homem, branco e hétero — muito pelo contrário, como já discutimos nos tópicos acima — e precisa se sentir representada em seus produtos. Afinal, qual é a finalidade de manter um padrão que obviamente não correspondia à realidade?

E para que esta representação seja verossímil e, de fato, potente, as marcas passaram a empregar profissionais não-brancos e, com ajuda deles, as histórias começaram a ter um sentido de identificação maior do que qualquer outra fórmula. Ainda falta ocupar cargos de decisões? Sim, muitos. Mas é certo de que o futuro será muito colorido e diverso, como deve ser.

“O fator transformador desse meio são as pessoas que estão lutando diariamente contra as estruturas excludentes”, Luiz Gustavo completa. “É assim que se faz mudança, de dentro para fora, de pessoas que movimentam a parada, giram um capital social, que querem que pessoas como nós façamos parte de algo que também amamos”.

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