O poder da comunidade gamer

R. Bondioli
Gazeus Games
Published in
6 min readSep 30, 2022

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Da identificação à multiplicação de formatos, as comunidades de games têm ganhado cada vez mais atenção efetiva das marcas e dos negócios.

O entretenimento é um dos mercados mundiais com maior pluralidade de nichos — há a música, o audiovisual (filmes, séries, novelas, etc), a moda, a arte, a dramaturgia, os esportes… E os videogames. Sim, isso mesmo: os games. Antes meras mercadorias para um determinado (e bem específico) recorte de gênero e classe, hoje a tração de cada um desses elementos tomou tanto vigor que os jogos tornaram-se também uma importante figura cultural. E como tal, a junção de seu motivo, reação e objetivo tem um nome: comunidade.

Há alguns anos, esse termo era inexistente — ao menos, pelo ponto de vista mercadológico. Eram fãs e/ou consumidores, pessoas que tinham interesses comuns sobre algo ou alguém e periodicamente se reuniam em espaços físicos ou online para trocar informações, em conjunto, sobre esses interesses. Com a expansão da internet, não havia como impedir o crescimento exponencial dos games — então, o mercado começou a olhar para essa galera (e que galera!) com mais atenção, estudando e antecipando seu comportamento, prevendo tendências e criando referências tão profundas em seus produtos que seriam vivenciadas também futuramente.

Era o start de algo grandioso.

Mas o que é, afinal, uma comunidade?

Eu trabalho com o mercado de games há 17 anos, especificamente com o usuário final: conduta, interesses, senso de pertencimento, jeito de comunicação. Ou seja, desde uma época em que a internet ainda estava sendo desbravada, mas já começava a conquistar o espaço que domina hoje em dia. Lá no começo dos anos 2000, não tínhamos essa vasta gama de redes sociais à nossa disposição; a nossa principal porta de conversa com os jogadores era o fórum, uma plataforma de discussão moderada (parecida com a proposta do Reddit). Ali, além do total suporte (denúncias, dúvidas e assistência) e anúncio de novidades dos jogos, também havia abertura para conversas off-topics, debates, divulgação de fanfics e fanarts, além de, muitas vezes, ser o canal de eventos offline realizados pelos próprios usuários.

Em outras palavras, uma comunidade nada mais é do que um grupo de pessoas que curtem a mesma parada e estão reunidas em algum ambiente para trocar experiências. É a fábula contemporânea dos relacionamentos interpessoais.

Dali, daquelas milhares e milhares de mensagens trocadas, que os chamados Community Managers (gerentes de comunidade) analisam e coordenam essa comunidade, levantando as dores e possibilidades que enxergam através dos sentimentos expressados por ela. Foi dando muita cabeçada, escutando muitos xingamentos, inseguranças e sugestões que a função de CM começou a ser desenhada, sendo atualmente um cargo imprescindível em quase toda empresa que queira trabalhar o diálogo com seus membros — em especial no mercado de games, onde os fãs são conhecidos pela sua paixão.

Tá, mas por que ter uma comunidade?

Falando do mercado de games, a comunidade é o coração do negócio. Ter uma comunidade é a certeza de que a experiência dos seus membros será enriquecida, nos formatos aos quais essa comunidade melhor se encaixa. Atualmente, essas experiências são formalizadas em plataformas digitais como o Discord, andando de mãos dadas com os conteúdos gerados nas redes sociais. Inclusive, cabe aqui uma curiosidade: o Discord foi criado estrategicamente para suprir a gamificação de comunidades, que estava órfã de engajamento massivo no seu público.

Embora eu esteja falando de comunidade dentro do mesmo nicho, é válido lembrar que existem diversos tipos de jogos que, por fim, subdividem as comunidades em categorias, cujos comportamentos e interesses são únicos, mas não totalmente exclusivos. Logo, é importante entender cada uma delas e não simplesmente as classificar na mesma caixinha, apenas por pertencerem ao mesmo meio.

Gosto de pensar que, muito além de olhar apenas para o todo, as comunidades são compostas por pessoas de diferentes faixas etárias, classes sociais, locais, gêneros, etnias e gostos. Apesar de fazerem parte de algo maior, ainda são apenas pessoas, e essa singularidade muitas vezes é ignorada pelo mercado tão somente para fazer o negócio girar. Eu, pessoalmente, considero muito mais prudente e produtivo a empresa ter consciência do aglomerado de indivíduos que compõem seu público para conseguir prever tendências, referências e contornar crises, criando, assim, uma conexão orgânica com ele.

Como citei acima, há uma gama variada de jogos casuais e competitivos, que podem ser segmentados por diferentes gêneros e plataformas — olhando assim, dá para imaginar a quantidade de públicos distintos que existem. Muitas empresas, como a RIOT Games, conseguiram entender sua comunidade logo em seu princípio e traçar formas de se comunicar com ela, fortalecendo sua marca de tal forma que experimentações são facilmente aplicadas — como o caso de criar e influenciar novos jogos, campeonatos e formatos de conteúdos.

Como entender as comunidades?

Talvez o principal desafio para quem trabalha com comunidades de games seja identificar as interações de seus membros e ser capaz de ler atividades ocultas nessa corrente. Ou seja: por trás das mensagens dos usuários, a forma como conversam entre si e reagem às novidades ou críticas do produto traz muitas ideias e revela informações que são sempre úteis para o relacionamento com a comunidade. O intuito não é esconder os plausíveis erros da empresa, e sim criar um vínculo de confiança entre ela e seu público, fazendo com que a comunicação base seja mais ativa do que reativa.

Sim, a comunidade gamer é composta basicamente por uma galera que curte jogar, jogar e jogar. Mas é interessante olhar para além deste fato: muitos destes jogadores têm potencial de entregar um conhecimento novo para seu público e você vai perceber, ao longo de sua vivência no ramo, que é um conceito bastante significativo para a comunidade.

Com isso em mente, abaixo enumerei alguns dos perfis de membros que são mais conhecidos no mundo gamer:
Jogadores casuais
: como o próprio nome já diz, estão ali para diversão, passar o tempo e/ou ter uma experiência eventual no jogo. Eles gostam do jogo o suficiente para interagir com outros membros, mas não estão tão envolvidos assim para ativarem outros tipos de participações, como criar conteúdos, por exemplo.

Jogadores Profissionais: novamente, autoexplicativo; são os usuários que levaram a brincadeira a sério e fizeram do jogo uma profissão. É uma função que atualmente tem um status bem mais qualificado do que no começo dos anos 2000, e tornou-se uma das ocupações mais requisitadas do mercado mundial (perdendo apenas para o famigerado sonho de ser um jogador de futebol). Atualmente, para se tornar um profissional não basta apenas ter talento: as organizações focadas no meio procuram também pessoas que entendam o nível de compromisso e a disciplina exigidos — um assunto que posso abordar profundamente em outra ocasião.

Criadores de teorias: em jogos com tramas e mitologias expansivas, os criadores de teorias são mais comuns. Eles são jogadores que não apenas se divertem, como também são intensamente curiosos sobre tudo que diz respeito às histórias e ao desenvolvimento do jogo, sendo, portanto, uma voz analítica na comunidade. É ao ouvi-los que percebemos os pontos fracos e fortes de uma narrativa potencialmente alternativa àquela que está sendo apresentada pela desenvolvedora — frequentemente, muito antes que essa narrativa oficial seja entregue ao público.

Criadores de conteúdos: também conhecidos como criativos, são os jogadores que expressam seu amor de diversas formas inovadoras, como fanarts, cosplays e fanfics. Também se encaixam aqui jogadores que fazem conteúdo via vídeo ou podcast e desenvolvedores que queiram criar seus próprios conceitos no jogo que amam.

Trolls: Toda comunidade gamer tem sua parcela (às vezes, até grande demais para gerenciar) de trolls. Eles são jogadores cujo intuito é apenas provocar conflitos dentro da comunidade. A Internet acabou sendo um ambiente bastante propício para esse tipo de usuário se manifestar, uma vez que muitas plataformas ainda são bastante vulneráveis em questões de identificação e consolidação de regras mais rígidas. Lidar com essa galera não é uma tarefa fácil, mas tem sido cada vez mais comum da própria comunidade não se calar perante o comportamento agressivo desses membros.

Não importa se a comunidade é nova, antiga, com 100 ou 100 mil membros; a forma como ela é vista e gerenciada pela empresa é o fator crucial para um crescimento saudável e ativo do seu público. Então, observe, converse, pesquise, experimente diferentes maneiras de se relacionar com ela. Pode levar tempo, mas confia: valerá a pena.

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